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ESPARTA

domingo, 29 de janeiro de 2012

A REVOLTA DE CINADON


A REVOLTA DE CINADON
Em cerca de 396 a.C. , uma grande revolta envolvendo os segmentos sociais inferiores de Esparta foi abortada. Conhecida pelos historiadores como “Revolta de Cinadon”, ela tinha como objetivo tomar o poder político das mãos dos esparciatas, que eram o grupo dominante daquela sociedade, e pôr fim a centenas de anos de exploração e exclusão política a que estava submetida grande parte da população da Lacedemônia.
Desde que tinham estendido o poder à região da Messênia, em cerca de 720, os esparciatas conseguiram garantir para si um regime agrário que os conduzisse a uma auto-suficiência em termos de alimentos. As regiões da Lacônia e da Messênia dominadas por eles constituíam juntas cerca de 250 mil hectares de terras extremamente férteis.
Essas terras eram trabalhadas por uma enorme população de “escravos”, chamados hilotas, e que aparentemente eram propriedade do Estado e não de indivíduos. Os hilotas tinham que dar uma porcentagem fixa da colheita para os esparciatas (Tyrteu. Frag, 5), restando-lhes a parte excedente. Esses escravos agrícolas não podiam deixar a terra para participar de outros ofícios, pelo menos sem a aquiescência dos espartanos. Nesse regime agrário, os hilotas teriam que se especializar no trato com a terra para que pudessem sobreviver da porcentagem que lhes cabiam. Era, por mais contraditório que pudesse ter sido, um estímulo à sua especialização enquanto agricultores, já que suas vidas dependiam diretamente da boa produtividade das colheitas.
Muitos hilotas porém, não estavam presos à terra. Alguns deles trabalhavam em construções de templos, nas casas dos espartanos, no auxílio aos soldados do exército e na cozinha pública que preparava e servia repastos para os esparciatas. Alguns desses ofícios ministrados pelos hilotas, tais como as atividades de cozinheiro, arauto e adivinho, eram passadas às gerações seguintes pelas gerações anteriores, o que criava uma espécie de especialização familiar secularizada (Herôdotos VI 60).
Outro grupo social subordinado era o dos periecos. Eram homens livres, porém não eram cidadãos. Viviam em pequenas comunidades da Lacônia e da Messênia, das quais conhecemos o nome de cerca de cem no período Clássico. Nessas comunidades, eles tinham autonomia política local. Os periecos eram convocados constantemente para participarem do exército e lutavam por vezes separados por vezes lado a lado com os esparciatas.
Os periecos eram, em sua grande maioria, artesãos, pequenos proprietários de terras pouco férteis e comerciantes. Eles levavam o produto de suas colheitas assim como os objetos que produziam para a Agorá ou para os portos para serem transacionados no interior da própria Esparta ou com outras póleis. Os artesãos periecos tinham ótima fama. Até onde sabemos, eram eles que construíam móveis, cantis, mantos, sapatos, vasos de cerâmica e embarcações . Eram-lhes permitido o uso de moeda cunhada, o que fazia com que alguns chegassem a enriquecer.
Um terceiro grupo social subordinado era o dos Hippomeiones. Eram espartanos que haviam perdido sua condição de cidadãos, saindo do grupo dos esparciatas e caindo de status social. Em geral, isso se dava por terem empobrecido, ficando impedidos de pagar o tributo anual para os repastos públicos. O número de Hippomeiones cresceu sobremaneira no final do V e início do IV século e Cinadon era um deles . Eles serviam no exército e eram mandados pelos éforos em missões secretas do Governo (Xenofonte, Hellenicas III 3 9).
Um outro grupo social que participou da tentativa de revolta foi o dos Neodamodeis. Ao contrário do que o nome parece indicar, os neodamodeis eram ex-hilotas que tinham servido no exército. Como prêmio por suas atividades, ao voltarem eles teriam subido de status, não ficando mais em estado de escravidão tão rígida. A primeira vez que eles apareceram nos textos foi no contexto da Guerra do Peloponeso, em 425, quando começaram a servir no exército (Tucídides V 34) . Os esparciatas, por vezes, podiam dar-lhes pequenos lotes de terras em locais determinados, onde trabalhariam como agricultores. Os neodamodeis, dessa forma, continuariam em relação de dependência para com os espaciatas.

A revolta planejada por Cinadon envolvia pessoas de todos esses grupos sociais. Em geral, eles tinham muito pouco apreço pelos esparciatas. Segundo o próprio Cinadon, a vontade que esses grupos sociais tinham em relação aos esparciatas era de “comê-los crus” (Xenofonte, Hellenicas III 3 6).
A desvantagem numérica dos esparciatas em relação aos demais grupos sociais era muito grande. Por volta da época de Cinadon, de uma população de quatro mil pessoas que estavam na Agorá, apenas setenta seriam esparciatas (Xenofonte, Hellenicas III 3 4). Nos campos, em cada fazenda haveria um espartano para outros tantos inimigos (Xenofonte, Hellenicas III 3 7).
Esse ódio latente em relação aos esparciatas tinha várias razões históricas. Em primeiro lugar, poderíamos citar as próprias condições materiais de existência dos grupos subordinados, que, em sua grande maioria, operavam no limite da subsistência. Essa insatisfação constante dos subordinados pode ser explicada também pala insistência com a qual os ricos espartanos tentaram implementar o ideal oligárquico da auto-suficiência agrária, bloqueando as atividades comerciais e artesanais em uma sociedade extremamente desigual em todos os aspectos. Estas atividades, se estimuladas, poderiam funcionar como uma válvula de escape para grupos sociais oprimidos economicamente.
A nível simbólico, os esparciatas não escondiam de ninguém o seu desprezo pelos grupos sociais subordinados. Isso se torna evidente quando nos debruçamos sobre os costumes. Os funerais dos espartanos eram diferenciados em relação aos demais grupos (Herôdotos, IX 85), com enterramentos pomposos de guerreiros e de reis mortos contrastando com as covas rasas nas quais hilotas e periecos eram enterrados. Além disso, havia várias festividades nas quais o acesso aos não-cidadãos era proibido, principalmente em festas onde a redistribuição de comida era farta. Nas sissítias, espécie de mesas públicas onde os cidadãos eram obrigados a fazerem suas refeições, os hilotas eram levados bêbados para divertirem os espartanos, servindo também como exemplo para mostrarem aos jovens o mal que o excesso de bebida podia provocar.
Na Kriptéia, os hilotas eram assassinados por jovens espartanos que saíam à sua caça. A prática era feita à noite e tem sido associada à rituais de iniciação de jovens que haviam chegado à idade adulta (Plutarco, Vida de Licurgo 28).
Aliado a isso, o desprezo aberto com que os espartanos tratavam aqueles que faziam os ofícios, o comércio e a agricultura eram manifestados abertamente à nível discursivo Plutarco nos conta que o rei Agesilaos, tendo reunido todo o exército espartano e aliado, pediu a todos para sentarem-se. Mandou, então, que cada soldado que exercesse um ofício se levantasse. Somente os esparciatas teriam ficado sentados, o que serviu para Agesilaos demonstrar que os espartanos eram os únicos soldados profissionais ali presentes (Plutarco, Vida de Agesilaos 26).

Um comentário:

  1. Que vida de opressão este povo vivia, tenho muita pena desta gente, que morreu por um estado opressor. Comecei pesquisando sobre Epaminondas e acabei aqui...
    Abraços e tudo de bom.

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